domingo, 30 de agosto de 2009

ABICADA - artigo de Mário Lyster Franco no DN


Pelo Sr. Dr. José Formosinho, ilustre director do Museu Regional de Lagos, está sendo posta a descoberto nos arredores de Portimão uma notável estação da época romana, que é já hoje pelos seus primorosos mosaicos, uma das mais ricas, se não mesmo a mais rica; que fica existindo em Portugal.
Esta notícia, a primeira que sobre tão importante assunto vem a público, vai de certo causar viva satisfação, em todo o Algarve e nos meios cultos do nosso País e constituirá uma autentica surpresa para grande número dos nossos leitores, ainda que o local das descobertas fosse já, do conhecimento dos arqueólogos nacionais. Trata-se da Quinta da Abicada, a 7,5 km de Portimão, junto à estrada que conduz a Lagos e propriedade que foi da família Maravilhas e é hoje de uma firma comer­cial na mesma cidade estabelecida. Per- tencia á freguesia da Mexilhoeira Grande, situada em frente da povoação da Figuei­ra. A essa quinta se refere uma notícia publicada em 1917 pelo sábio professor Sr. Dr. Leite de Vasconcelos, em «O Archeologo Português», pois nela fora tempos antes descoberto um belo o mosaico romano formando o chão de um compartimento rec­tangular, murado em volta e tendo junto vestígios de outros dois mosaicos mais ou menos danificados. A quinta era já então toda fértil em vestígios romanos pois nela se encontravam com frequência pedaços de cerâmica vulgar e vidro.
Passaram-se os anos e quando o Sr. Dr. José Formosinho começou a entregar-se mais activamente ás investigações, em que tem revelada tanta proficiência e saber, das descobertas anteriormente efectuadas na Abicada já pouco restava de aproveitável. Uma visita realizada em 1930, e por sinal que na companhia do grande arqueó­logo alemão Adolfo Schulten, já pouquís­simo permitiu ver, por entulhado e destruído, e teria resultado quasi improfícua se não tivesse deixado no espírito do Sr. Dr. Formosinho o convencimento de que alguma coisa dali poderia ainda aproveitar, para o Museu, que já então tencionava fundar e que hoje é uma das mais notáveis realizações da cidade de Lagos. Com esse propósito o Sr. Dr. José Formosinho voltou ao local em 1935, efectuando então algumas descobertas, mas só em fins de 1937 obteve da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais a verba que soli­citara e de que carecia para levar a efeito as extracções de mosaicos que desejava efectuar. Foram estas, realizadas em Agostoe Setembro do corrente ano, que provocaram a descoberta da importante estação romana a que esta notícia se refere. A ideia da extracção e da transferência parao Museu de Lagos dos mosaicos existentes foi logo muito louvavelmente posta de parte, por se verificar que era impraticável e mesmo inconveniente, dada a grandeza e importância dos achados.
A parte por agora explorada, que ocupa uma área de cerca de 1:300 metros quadrados, demonstra estar-se na presença dos restos de um vasto edifício, de que existem numerosos compartimentos separados por muros, mais ou menos destruídos, mas que ainda se elevam do solo, em alturas que vão até 0,75. O edifício comporta uma construção de forma hexagonal, que lhe ser­via de centro, pois dela saem, para poente e nascente, dois corpos rectangulares com várias divisões. O chão é, em quasi todos, revestido de mosaico policromico, com vá­rios desenhos de magnifico efeito decora­tivo e, em que chegam a ser empregadas seis cores (branco, preto, vermelho, amarelo, azul e verde). Ascende já a 14 o número de mosaicos descobertos, pois todos os compartimentos até agora encontrados, excepto dois, são por eles revestidos, e esse número, já bastante avultado e susceptível de; pelo menos, duplicar, pois somente metade do edifício foi explorado, demonstra-nos estar-se na presença da mais rica estação romana que, no seu género, fica existindo no País.



Diz-nos o Sr. Dr. José Formosinho, com quem trocámos impressões sobre o assunto e em cuja, amável companhia visitámos o local, que não é possível, por enquanto, saber o que seria o edifício cujos restos se encontraram e que, a avaliar pelo seu tamanho, riqueza e abundância de mo­saicos, parece ter sido residência de algum romano muito rico. De resto, todas as hipóteses são possíveis e mister se torna obter sobre a descoberta algumas conclusões seguras. Toda, a quinta é, como já acentuámos, fértil em restos de origem romana e do edifício em questão apenas pouco mais de metade se encontra explorada, ainda que já se conheça a existência do resto. A este edifício outros se poderão seguir e pode mesmo estar naquele local a chave do problema da localização exacta de Portus Hannibalis, que, atribuída ás imediações, tanto tem intrigado os arqueólogos nacionais e estrangeiros: A estação agora descoberta fica numa eminência de terreno quasi em frente da foz do rio Alvor e dominando uma extensa área, ao mesmo rio conquistada em épocas recentes. Situação magnífica, tanto podia ter servido para assento de uma vivenda de qualquer ricaço, como de uma povoação de relativa importância. Os achados miúdos até agora efectuados, limitados a algumas centenas de tijolos de sector e rectangulares, e muitos fragmentos o de «tegulae» e de «imbrices» e cinco bronzes, dois dos quais de Arcadius, não têm sido de molde a facilitar uma classificação definitiva do local, mas logo que as escavações recomecem, algo de muito importante pode surgir de um momento para o outro.
Resta acrescentar que as explorações em que o Sr. Dr. Formosinho ocupou durante mais de um mês algumas dezenas de homens se encontram suspensas, não só pelo facto de não estarmos já na época mais aconselhável para as realizar, como também por se ter esgotado a verba de que se podia dispor para o efeito. O ilustre investigador fez já sobre o assunto comunicações ao Instituto Português de Arqueologia, Historia e Etnografia e à Associação dos Arqueólogos, organismos de que é sócio, e à Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, de onde conta obter a verba indispensável para poder prosse­guir nos seus importantes trabalhos. Esta certamente que não lhe será regateada, pois que esse prosseguimento se impõe em absoluto, como igualmente se impõe a consolidação imediata do que se encontra des­coberto e vai ser de novo tapado para que não seja destruído enquanto essa consoli­dação se não efectue. O local deve ser também considerado desde já monumento nacional, facto que se não lhe dá uma protecção absoluta - e haja em vista o estado em que se encontra o monumento nacio­nal das ruínas de Milreu, nos arredores de Faro - sempre constitui uma garantia, que, convenientemente utilizada, não é pa­ra desprezar.
M. L. F.





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