terça-feira, 13 de outubro de 2009

ABICADA – A sucessão de descobertas

A sequência dos trabalhos de campo

Seguindo agora a série dos apontamentos do Dr. Formosinho, nos seus cadernos de campo, (que invariavelmente o acompanhavam nas suas explorações arqueológicas), pode perceber-se a sua ânsia e  o seu entusiasmo crescentes, à medida que o tempo decorria.

1937
DEZEMBRO / 26 a 29


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Chãos de mosaico - extracção nos dias 27, 28 e 29.
No dia 26 - limpeza do local e preparativo para a extracção do mosaico que se iniciou em 27 pelo compartimento A. Estava já bastante deteriorado, conseguindo-se apurar dois cantos um a Nascente (M) e outro a Poente (Ab), ambos com muitas falhas. Em (A a) formaram-se 8 blocos e em (Ab) 7 blocos, estes muito deteriorados e talvez seja difícil o seu aproveitamento em conjunto, O mosaico do compartimento B deixou-se no local por não ter grande interesse e para a hipótese de organização ali de uma estação de estudo. Do compartimento C extraiu-se apenas uma parte por se repetir o motivo e não valer a pena retirar mais; formaram-se 10 blocos pequenos para facilitar a extracção.
Trabalharam na extracção: (5 dias)
ANÍBAL Pedreiro 80$00
SALVADOR Servente 45$00
1 trabalhador ajudante 35$00
TOTAL 160$00
Estes mosaicos ficaram em blocos e não armados. Tenciono armá-los depois de feita a ampliação do Museu, ou de ter a certeza de ela se não efectuar.

1938
AGOSTO /29,30 e31
SETEMBRO / 1, 2 e 3

{ 1ª semana de trabalho > 11 trabalhadores > féria =

= 441$00 (verba dos Mons Nacs ) }

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Iniciaram-se os trabalhos com 2 valas partindo de C para A e de C para B. A primeira revelou à profundidade de 0,65m uma parede que liga com a continuação de C para Poente (eb). A 2ª não foi profundada por se ter seguido a indicação do muro (eb). Presumindo que haveria qualquer muro de ligação deste com a casa A., alargou-se a escavação e encontrou-se a casa D que se abandonou por estar estragada a Sul pela lavoura; continuando-se a exploração para Norte, Sul e Poente descobriu-se nesta semana o que está indicado na planta ao lado. Ficaram completamente limpos os compartimentos C (que parece continuar para Poente) e E e H. Na parede (eb 2 ) encontrou-se em C a base de uma coluna de tijolos de sector, achando-se grande parte dos tijolos que a formavam, tombada e misturada com terra e caliço, nos compartimentos E e H. Encontraram-se mais tijolos disseminados (ao todo 78) inteiros e muitos fragmentos de outros. O bocado de muro (ef) está assente sobre mosaico que liga C H. Todos os compartimentos, excepto E têm mosaico. Não se encontraram quaisquer objectos a não ser os tijolos e fragmentos de “tegula”. 

1938 

SETEMBRO / 5 a 10 :

{ 2ª semana de trabalho > homens = 490$00 +

+ moços = 96$50 > total = 586$50 }

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Continuámos as escavações seguindo sempre o cruzamento dos muros. Verificou-se que o muro de separação de B e H continuava tendo-o seguido até que encontrámos o cruzamento para Sul e a sua continuação para Poente. Continuámos nessas direcções pondo sempre o muro a descoberto de um lado e outro. Demos assim com o muro que liga este agora seguido com o que limita o compartimento B e segue igualmente para Sul. Simultaneamente pusemos a descoberto o muro todo que limita o compartimento P e o que separa os compartimentos G P. Também para Nascente verificámos que o muro ao Norte de B se prolongava e que junto ao canto de A havia outra construção que seguimos pondo a descoberto o canto Poente de M. Ao mesmo tempo limpámos os compartimentos E, H, C, K, e parte Norte de G, tendo continuado a aparecer alguns tijolos de sector inteiros e muitos fragmentos de tegulas e de outros tijolos, não tendo aparecido qualquer outro objecto. Aumentámos nesta semana o número de operários e de rapazes para o transporte da terra. Estes adiantam muito mais serviço do que os homens (mesmo com padiola). Ficou posto a descoberto o que indica a planta ao lado.

 

1938

SETEMBRO / 12 a 17 :

{ 3ª semana de trabalho > homens = 378$00 +

+ moços = 148$00 > total = 526$00 }

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Esta semana trouxe-nos algumas surpresas agradáveis: Verificámos que o muro Q I se prolongava para Nascente ligando-se à casa M e depois de esta toda descoberta em volta, viu-se que o muro continuava para Nascente. O referido compartimento M também tem mosaico, do qual apenas verificámos o canto Poente. No canto Nascente deste compartimento liga uma nova construção e tomada a direcção do seu muro, paralelo ao da casa D, fomos procurar se teria ligada outra construção e se a este compartimento D seguiria outro para Nascente. E então achámos a curiosíssima construção hexagonal, da qual apenas pusemos à vista as paredes que formavam o polígono. Continuámos com a limpeza dos compartimentos da construção O B E C P; encontrámos as portas de P e OP e ainda um muro que atravessa ao meio dos compartimentos P e G. Abrimos uma vala ao Norte de QI e encontrámos um estreito muro LJ que está ligado a P por um chão de “opus signinum”, mas nada mais encontrámos a Norte. Despedimos dois operários (fracos). Na limpeza de F encontrou-se : 1 br. gr. m.to gasto e um fragmento de chumbo e um gancho de bronze de que não percebemos ainda a aplicação. Encontraram-se bastantes cascas de marisco: búzios e berbigões. Vestígios de pintura a fresco nos compartimentos F e B.

1938

SETEMBRO / 19 A 23 :

{ 4ª semana de trabalho (em 24 não se pôde trabalhar porque choveu) }

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Se as surpresas foram grandes na semana anterior, nesta ainda mais o foram. Verificada a construção hexagonal, formulámos a hipótese de que esta seria o centro de um grande edifício e tentámos a confirmação procurando a Nascente um muro que correspondesse a qualquer dos dois que unem OPG e se prolongam para Sul. Efectivamente com uma pequena vala (1x0.75x0,60 m3 ) encontrámo-lo, bem como o cruzamento X. Descobrimos então esse muro e o cruzamento com o muro RIU que se prolonga até ele e julgamos que se prolonga para Nascente, o que tencionávamos verificar no sábado, dia em que se não trabalhou porque choveu. Resulta realmente interessantíssima esta construção e como não pode deixar de fazer-se a sua exploração completa, iniciámos a preparação do terreno de Nascente para Poente tirando parte da camada superior desta área para que as chuvas amolecessem a terra de baixo que é fortemente compacta. Pusemos a descoberto 15 metros do novo muro a Nascente X’ Y’ e verificámos que continua para Sul. Limpámos completamente todos os compartimentos da construção de Nascente, tendo aparecido 4 pequenos bronzes e mais tijolos de sector inteiros; muitos fragmentos de tégulas e outros tijolos, mas absolutamente nada de outra qualquer espécie de cerâmica, o que temos estranhado. A chuva fez-nos interromper esta exploração que promete resultar muito curiosa.

1938

NOVEMBRO

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Voltámos a trabalhar em Nov.  Em Outubro construiu-se uma pequena casa de madeira para guardar matéria e para abrigo do guarda. Em 5 de Novembro colocou-se uma vedação de arame farpado, cercando por completo o recinto. Ainda no F encontrámos os tijolos de uma coluna que, colocados no seu lugar, deverão formar uma coluna completa que será armada. Continuando a exploração a Nascente de construção hexagonal, encontrou-se uma parte de construção limitada pelo novo muro X’ Y’ , com mais compartimentos com um corredor ao meio; a última casa do canto X’ é ladrilhada com os tijolos rectangulares. Esta parte da construção só tem vestígios de mosaico nos dois últimos compartimentos a Sul. Nos outros o chão é de “opus signinum”.

1938

DEZEMBRO / 4 a 10 :

{Última semana de trabalhos de exploração }      

SCAN00251Agulha de bronze

(No desenho  podem : ver-se um dos tubos de chumbo, mais tarde roubados; o gato de chumbo , entretanto resguardado no Museu Regional de Lagos e de que se apresenta uma foto mais à frente e ainda uma agulha de bronze para fazer redes de pesca e igualmente resguardada no Museu).

Encontrámos no muro ao Norte dois grossos tubos de chumbo por onde desaguava uma espécie de aqueduto que acompanha toda a parede Q I U. Este aqueduto onde se encontram os tubos de chumbo C” C” deve ter sido feito para aproveitar a água das chuvas para tanques.

Nesta última semana de Dezembro só procedemos a limpeza do que pusemos a descoberto. Os donos do prédio estão a pôr dificuldades; estou a ver que temos questão. E não há maneira de vir a classificação de MONUMENTO NACIONAL !

Planta do que ficou a descoberto ao abandonarmos os trabalhos, em 10 de Dezembro de 1938 :

 

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1939

MARÇO :

Em Março fomos ainda tirar terra, mas não fizemos mais explorações. Em Fevereiro tínhamos posto a descoberto os últimos compartimentos.

EM 9 DE MAIO QUISERAM DESTRUIR TUDO !!!

Destruíram os tanques de Salga, a Sul e o lagar. (foi um tal Chico d’Alvo).

 

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(Os tanques de salga e o Dr. Formosinho)

SETEMBRO :

Em Setembro ainda fui tentar consolidar os chãos, mas tive que desistir em virtude de os donos ameaçarem tudo destruir !!!

NOTAS :

  •  Os tubos de chumbo  têm 0,62 cm de comprimento e 0,09 de diâmetro interior; grossura visível varia entre 0,015 e 0,025 m; têm nos topos umas chapas também de chumbo com pregos de chumbo de secção quadrada que servem para os segurar na parede; nesta chapa, nos topos, estão os tubos dobrados (rebordados).

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  • O objecto de chumbo que foi encontrado no compartimento F e que se não descobriu logo o que podia ser, era afinal um gato para engatar louça; o que só foi descoberto mais tarde, quando se encontrou outro ligado a um pedaço de barro. Realmente pelo tamanho e forma não veio à ideia o que podia ser.

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(continua)

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ALJEZUR e o Dr. José Formosinho

MONTE DA VÁRZEA E ARRIFOS DO POÇO

Aljezur foi das primeiras zonas a ser intervencionada arqueologicamente pelo Dr. José Formosinho, o que permitiu salvar de perda irreparável algumas preciosidades que mais tarde constituirão verdadeiro espólio científico, a chamar ao Museu Regional de Lagos grupos de verdadeiras sumidades do mundo da arqueologia!

BENSAFRIM e ALJEZUR fazem como que o remate da sua intervenção nesta sua primeira época de campo.

Por serem muitos e muito importantes os objectos que o Dr. Formosinho, com a preciosa ajuda dos naturais e residentes nas respectivas regiões, conseguiu salvar da destruição e total perda, indicam-se a seguir alguns dos mais importantes.

Refira-se, entretanto, que alguns deles deram origem a estudos muito interessantes e a comunicações deveras importantes para as mais diversas Instituições Científicas. Estão neste caso, por exemplo, “Duas lápides inéditas”, comunicação do Dr. Formosinho, logo em Abril de 1935 e que estuda duas lápides desta zona ─ uma da “Corte de Pêro Jaques”, de talisca (designação local do xisto)

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e outra próximo de Bensafrim no sítio da “Fronteira”, sendo que da primeira o Dr. Formosinho dá notícia para o Prof. Adolfo Schulten de“uma sepultura de onde trouxe uma interessante lápide com caracteres ibéricos, nos quais julgo ver uma referência aos povos que aqui habitaram alguns séculos antes dos romanos cá terem chegado: os “KONIOS”, “CUNEOS”, ou “CYNETES”; a segunda, de tipo mais vulgar, é uma lápide romana tumular (Hic Situs Est), familiar. É de pedra farinheira (grez vermelho da região) que indica a sepultura de Caio Júlio Arenio e demais familiares. Esta lápide estava já deslocada da sepultura a que devia ter pertencido!

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E como não salientar aqui o célebre Capacete Céltico de bronze, do Sec. V, a. C. encontrado na Várzea da Misericórdia, em Aljezur?!

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Recorde-se ainda que este capacete céltico considerado pelos especialistas “peça arqueológica invulgar” foi causa de uma comunicação científica ao “XIII Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências” efectuada pelo Dr. Formosinho em colaboração com O. Veiga Ferreira e Abel Viana sob o título O capacete céltico do Museu Regional de Lagos (Algarve)(Lisboa / 1950)

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Igualmente a Placa Votiva, em ardósia, da época neolítica e proveniente do Rogil e a Lápide com Escudo do Sec. XVI e proveniente do que então restava da Fortaleza da Arrifana ?!

Vale a pena dar agora uma espreitadela pelos apontamentos registados pelo Dr. Formosinho num dos seus cadernos de campo; até porque pode suceder que ainda exista alguém que tenha conhecido, ou seja familiar de algum dos protagonistas.

Em 18 de Janeiro de 1933 foi anotada pelo Dr. Formosinho a seguinte nota : foi-me dito por João Ramos Netto que Ignácio Bento – do Monte da Várzea – tinha encontrado umas sepulturas com cerâmica. o local fica a 1 km a S de Aljezur. fui lá a 23 de Janeiro de 1933. proprietário ali residente Ignácio Bento.

E as visitas de estudo prosseguiram em 20 de Março do mesmo ano, ao Monte da Várzea; em 18 de Maio de 1933 ao Vale da Maia, Arrifos do Poço, a cerca de 600 metros a Sul de Aljezur, a uma propriedade de Manuel António (Peito Largo), tendo as indicações dos achados sido dadas por José Alves, 2º Sargento da Guarda Nacional Republicana, reformado de Aljezur. E daqui foram salvos mais 3 objectos da época do ferro: uma picadeira, um picote e parte de uma foice, registados respectivamente, nas suas entradas, com os nºs 203, 204 e 205;

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e ainda uma ponta de flecha muito pequena mas perfeita, um botão, um fragmento de faca, vários fragmentos de cerâmica, etc.

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Da base de dados de registos da época mostra-se o que respeita exclusivamente a locais de Aljezur, ou zonas vizinhas:

(continua)