terça-feira, 1 de junho de 2010

A CONSTRUÇÃO, PASSO A PASSO, DE UM MUSEU EM LAGOS

I – A SECÇÃO DE ARTE SACRA

(HISTÓRIAS, FOTOGRAFIAS, DIFICULDADES E IMPRESCINDÍVEIS AJUDAS)

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Estamos no ano de 1928.

A “Igreja de Santo António dos Militares”, ainda que declarada Monumento Nacional pelo Decreto-lei nº 9 842 de 20 de Junho de 1924, caminha para a ruína. A excepcional pintura da abóbada de berço que a abriga está ferida de morte; tantas e tais são as infiltrações da água das chuvas que lhe borram a pintura e lhe atacam a estrutura.

A exuberante talha dourada que a cobre, desde o lambril até ao início da abóbada, vai-se desprendendo a cada toque mais ressoante do trombone, ou a cada vibração de um mais forte toque de bombo ou de pratos que a banda faça soar nos seus mais ou menos barulhentos ensaios filarmónicos; porque se passam na casa do lado,“colada” à Igreja que também é pertença do então Ministério da Guerra.

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A entrada para a casa onde a banda ensaiava

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Como bem se vê, colada à Igreja

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O Pórtico que dignificará essa entrada, ainda no quartel dos bombeiros

(Espécime curioso da Renascença, este Pórtico com os seus dois medalhões primorosamente modelados; pertencia à antiga Ermida do Espírito Santo, sucessivamente transformada em armazém de vinhos; sede do Compromisso Marítimo de Lagos; e finalmente, quartel dos bombeiros).

Mas voltemos à Igreja; até parecia que as intempéries, umas das forças da natureza, outras das “forças da arte musical”, aliadas à proverbial falta de cuidado e de meios financeiros das entidades oficiais responsáveis, iam de mãos dadas permitindo a “chacina” daquilo que sempre se considerou o “ex-libris” da cidade de Lagos, tal a distância da Arte que apresenta, a tudo o resto que existe na cidade!

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Na realidade, uma maravilha !

O dia 11 de Março é porém o do início da esperança. Como noticia o Jornal “Terra Algarvia”, o Ministro da Guerra (Ten-Cor. Passos e Souza) e o da Instrução (Dr. Alfredo Magalhães) visitam em conjunto a Igreja!

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E, caso raro neste País, entendem-se e dão-se as mãos para salvar a Igreja (!). Fica assim acordada a transferência da tutela do Ministério da Guerra para o da Instrução, o que efectivamente sucede a 15 de Julho de 1929.

Logo o Dr. Formosinho, na qualidade de membro da “Comissão Municipal de Iniciativa e Turismo” (ao tempo organismo importante no Concelho) se antecipa a umas necessárias escavações para a implantação de uma rede de esgotos e consegue da Câmara Municipal a aprovação de uma sua proposta para a criação de um museu onde pudessem ser arrecadados todos os valores artísticos e arqueológicos, quer os já existentes e dispersos, quer os que porventura viessem a ser encontrados.

Apresenta-se seguidamente fac-símile da “Acta da Sessão Ordinária da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lagos” de 23 de Agosto de 1930, onde no seu ponto quarto se pode ler : “Nomear Conservador do mesmo Muzeu, sem direito a qualquer remuneração, o Exmo. Senhor Doutor José dos Santos Pimenta Formosinho, notário público nesta cidade.”

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Logo por esta data, a 27 de Setembro de 1930, são iniciados trabalhos de pedreiro e de carpinteiro na única dependência da Igreja que o merecia, a SACRISTIA ! E como a Igreja continuava ao culto não era possível instalar mais que objectos de Arte Sacra. E que belos ! E que perdas irreparáveis se evitaram, sendo muito justo destacar aqui as amáveis e tão prestáveis colaborações, quer dos Párocos de Santa Maria e de São Sebastião, quer dos dirigentes dos diversos movimentos católicos existentes e fieis guardas das preciosidades que depositaram no Museu !

São de referir concretamente movimentos como: “Confraria do Sº Sº da Igreja de Santa Maria”; “Antiga Igreja do Espírito Santo”; “Ordem 3ª do Carmo”; “Direcção do Compromisso Marítimo”, “Direcção da Misericórdia” etc, etc.

Pode dizer-se que todos os que de alguma maneira tinham responsabilidades nesta área, encheram com os “seus despojos” a pequena Sacristia da Igreja de Santo António.

E veja-se o resultado, sem comentários, porque as imagens valem muito mais que as palavras :

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São Gonçalo de Lagos (o único Santo algarvio)

Um ano é passado! E o Dr. Formosinho, partindo do zero, montou uma Secção de Arte Sacra e de seguida queixou-se: “A Câmara criou o Museu, mas nem arranjou casa para ele se instalar, nem sequer o baptizou”.

“MUSEU REGIONAL DE SANTO ANTÓNIO” é o nome que propõe e que a Câmara aprova; e é impresso papel de cartas com este nome do Museu que assim também aparece nos jornais

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(Carta timbrada e utilizada numa “cunha” para o Ministro Duarte Pacheco afim de ser autorizada a transferência do Pórtico Renascença do quartel dos bombeiros, para a dependência da Igreja de Santo António)

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Entretanto, que fazer com o casarão velho – casa escura, pequena e absolutamente imprópria – a tal onde a banda do regimento ensaiava, promovendo a queda dos elementos da talha dourada, fosse flor, ou anjinho, ou simples bocado de madeira, que tudo servia à destruição … !

Assim não havia hipótese de instalar fosse o que fosse !

“Escrevi ao Couto (era o Dr. João Couto, Director do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa) e ao Ministro … Fui novamente a Lisboa, seringuei um pouco mais e a obra fez-se.”

Começava então o que se tornaria numa parceria imbatível : o Dr. José Formosinho, por um lado e a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, por outro ! Assim a população de Lagos conseguiu assistir embevecida às ampliações sucessivas do seu” Museu desde 1931 a 1954 !

Entretanto em 1936, um Presidente da Câmara de Faro, lamenta-se. É que em Faro já há um Museu de Santo António e teme as confusões.

O Dr. Formosinho, que entretanto pretendia interessar as Câmaras de Aljezur e de Vila do Bispo na criação do museu DESTA REGIÃO, diz, num seu célebre e extenso relatório de 19 de Dezembro de 1945, dirigido ao Presidente e Vereadores da C. M. de Lagos :

« . . . Outro assunto é a denominação do Museu : começou por ser “Museu Municipal de Lagos”, depois em alguns ofícios, chamou-se-lhe “Museu Municipal Regional”, depois “Museu Regional de Santo António” e por fim “Museu Regional de Lagos”, parecendo ser este o que melhor deverá ser adoptado e fixado em Sessão Camarária para que fique oficializado. Proponho portanto à Câmara como conclusões:

1º – Que a Câmara fixe definitivamente o nome de MUSEU REGIONAL DE LAGOS que nestes últimos anos tem adoptado.

. . . . . . . . . . . . . . . »

A Câmara, evidentemente, aplaudiu. Este nome, ao longo dos anos, granjeou fama e respeito científico internacional.

O definitivo durou até 1988 . . . Vá lá ! Vá lá!

* * *

Lagos sempre se distinguiu por ser um alfobre de artistas, de que a sua Escola Industrial Vitorino Damásio era o viveiro mais evidente. Por ela passaram grandes cultores da belas-artes desde directores como Falcão Trigoso, ou Joaquim Ferreira da Costa, (a quem a Câmara, em 28 de Março de 1931, agradece o trabalho de restauro que efectuou nos “Quadros dos Milagres de Santo António”, colaborando desinteressadamente com o Dr. Formosinho na obra de restauro da Igreja), até técnicos como Mestre António Penisga, artista de primeira água, lacobrigense de gema, também colaborante no restauro desinteressado da Igreja de Santo António e obrigatório cenógrafo das inúmeras peças teatrais que, no Teatro Gil Vicente, brindavam de quando em vez, as noites das gentes lacobrigenses.

Repare-se no cenário por ele pintado (para uma peça em que, apesar do bailado, era satirizado o dedicadíssimo contínuo Francisco Duarte, “o Xangai”) e note-se a semelhança com o que então existia :

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Estamos em 1932 ! Acabámos a ARTE SACRA !

Até 1934, se Deus quiser !

A ver vamos como fica o Museu na tal velha casa onde a banda do regimento ensaiava.

Mas atenção que o Dr. Formosinho vai começar com as suas explorações arqueológicas : Corte de Pêro Jacques; Sítio da Fronteira; Arrifos do Poço; Cerca do Álamo; Monte da Várzea; Alcalar; Almadeninha; Boca do Rio; etc., etc., são nomes que nos vão ser familiares.

Quer dizer : vem aí a SECÇÃO DE ARQUEOLOGIA ! Até lá !