Migalhas de História da Nossa Terra III
ONDE FOI LACCOBRIGA
Pelo Dr. José Formosinho (Continuação)
Indica depois os objectos encontrados em cada um desses locais e diz: «E porque em tão largo espaço se manifestam vestígios de construções antigas nos pontos acima designados, posto que sem visível ligação entre si, houve quem neles quisesse ver assinalados os mal aventurados restos de Laccobriga».
É facto que em todos os ditos pontos há vestígios romanos. Mas a área abrangida é de dezenas de quilómetros quadrados. Ninguém por certo acreditará que a antiga Laccobriga ocupasse uma área dez vezes maior do que a actual Cidade de Lagos.
Este sábio escritor, como facilmente se conclui do capítulo da sua grande obra ANTIGUIDADES MO-NUMENTAES DO ALGARVE, em que a este assunto se refere, subordinado ao título «Tempos históricos», preocupava-se nesse momento em apurar onde seria a Laccobriga romana, que os Autores gregos e latinos davam como Cidade marítima. E em face da profusão de vestígios dessa época (mas todos insuficientes) em uma área de muitos quilómetros, não se decidiu por nenhum desses locais.
O que se tem neles encontrado ?
Na Fonte Coberta um grosso muro numa extensão de perto de quarenta metros que atravessando uma antiga ribeira se verifica que servia para regularizar as suas águas.
No Monte Molião um vasto cemitério na propriedade de César Landeiro (l) e na encosta, na propriedade da família Pimenta encontrou Estácio da Veiga um muro grosso e uma cisterna elíptica; foram-lhe oferecidos, também de lá, uma pequena figura de Mercúrio em bronze e uma «clepsydra» (relógio de água) de vidro, em forma de pinha, (z)
Em todos estes locais citados. pequenos tanques, vestígios de muros, muitos fragmentos cerâmicos e muitas moedas; mas tudo romano.
Objectos idênticos teem sido encontrados dentro da Cidade actual:
Diz Silva Lopes (3) que no interior da Cidade teem aparecido muitas moedas romanas em diversos tempos; logo depois do terramoto de 1755 acharam-se muitas nos entulhos.
Diz Paulo Rocha (4):«Nas ruínas da Cidade encontraram-se algumas moedas romanas e outras portuguesas que já não tinham curso».
Estácio da Veiga encontrou em frente do Hospital Militar junto à destruída Ermida da S.ª da Graça alicerces de construções romanas e pequenos tanques de salga de opus signinum (formigão) e algumas moedas romanas
Destes tanque, uns com o referido formigão outros com o opus vermiculatum (mosaico) foram encontrados em várias ruas quando se procedeu à canalização das águas, sendo os mais perfeitos na Rua Marquez de Pombal, quási ao voltar para a Rua Lima Leitão, com chão de mosaico já bastante deteriorado; vestígios de construções e fragmentos cerâmicos em três pontos da Rua Lima Leitão e em dois da Rua 5 de Outubro; uma tégula inteira e vários fragmentos cerâmicos na casa de Manuel Àrinha à Porta de Portugal; e por toda a Cidade e na Cerca do quartel, junto à muralha, muita cerâmica fragmentada e moedas romanas e outras de épocas posteriores. (5)
Não existem portanto menos vestígios dentro da Cidade do que nos referidos arredores. Mas sendo todos da época romana ou posterior não são suficientes, repito, para se localizar a Laccobriga pré-romana.
Porém Laccobriga existia; dela nos dão notícias os historiadores clássicos já referidos.
De todos os locais citados os dois únicos que tinham probabilidades de neles ter sido construído um castro, são apenas o Monte Molião e uma das colinas em que assenta a Cidade de Lagos.
Somos levados a excluir o Monte Molião, não só porque tendo sido já largamente explorado por três sábios arqueólogos (6) nele não foram encontrados vestígios de castro proto-histórico ou anteriores à época romana, mas também porque não é uma colina propínqua, visto continuar o terreno a subir de norte e nascente, embora com pouco declive.
Resta-nos portanto o interior da Cidade, que assenta sobre quatro colinas uma das quais tem todas as probabilidades de ter sido o fundamento inicial do castro proto-histórico que deu origem a Laccobriga.
Lagos tem sido uma vítima dos cataclismos cósmicos. Os terramotos de l7l9, l722 e especialmente o de 1755 destruíram-na por completo. Em qualquer vala profunda que se abra, fácil é verificar várias camadas de entulho perfeitamente distintas e demarcando épocas, principalmente na parte mais velha da Cidade.
Estou hoje plenamente convicto de que uma escavação metódica e profunda feita no bairro de São José, tendo por núcleo o local onde existiu a velha Igreja de Santa Maria da Graça, muitas surpresas e revelações deveria produzir de grande utilidade para a história de Lagos.
No campo das hipóteses, porque outro não temos por enquanto, não me parece falto de lógica dizer que foi aí o local onde teve início Laccobriga.
(1) explorado pelo Dr. Leite de Vasconcelos em 1894 — «De Terra em Terra» — Vol. II pág. 290 e Dr. José Joaquim Nunes — «Arqueólogo Português. Rol. V. pág. 102.
(2) Arqueólogo Português. Vol. XV pág. 222.
(3) Corografia —cit. pág. 232
(4) Monog. das Forças Militares de Lagos—pág. 74
(5) Grande parte destes objectos podem ver-se no Museu Regional de S. António.
(6) Estácio da Veiga — Santos Rocha — Dr. Leite de Vasconcelos.
Costa de Oiro 6 - Junho de 1935
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