segunda-feira, 28 de setembro de 2009

LAPIDÁRIA LACOBRIGENSE




Lapidária Lacobrigense

Pelo Dr. JOSÉ FORMOSINHO


Poderia Lagos oferecer uma óptima colecção lapidar, se o bárbaro terramoto e as muito bárbaras gerações de lacobrigenses que a esse cataclismo se seguiram, não tivessem inutilizado tão precioso documentário da história de Lagos.

Ao desmanchar um lancil dos passeios das ruas, uma sílharia construída após o terramoto, caboucos ou paredes antigas, muitas vezes se têm encontrado fragmentos de lápides epigrafadas ou pedras trabalhadas, que poderiam ser preciosos documentos do nosso glorioso passado, outras bons auxiliares de estudos genealógicos.

Talvez não deixe de agradar a alguns leitores da Costa de Oiro tomarem conhecimento de uma lápide, que existe hoje no MUSEU REGIONAL de LAGOS, que encerra um interessante conceito filosófico.

Pertenceu à sepultura de Pero Jaques Correia, que, segundo documentos existentes no arquivo da Misericórdia de Lagos, deve ter morrido cerca de l5o8.

Era natural de Lagos, Fidalgo da Casa Real e Conselheiro d´El-Rei. Foi comendador de Bouças e D. Afonso V em recompensa dos seus serviços, prestados no Reino e em África, deu-lhe em 1473 o Paul da Bordeira e Bordalete.

Em 1490 estando em construção o aqueduto de alvenaria, que D. João II mandou construir e que do Paul conduz ainda hoje a água para a Cidade ", recusou-se Pero Jaques o Comendador a esse pagamento, e o mesmo fizeram outros vassalões, moradores na Villa e termo ".

Desse facto se queixaram os moradores de Lagos, nas cortes que em Évora se realizaram em 1490, sendo seu procurador Soeiro da Costa, descendente, de certo, do célebre navegador do mesmo nome e que tem sido com ele confundido algumas vezes.

Mas vamos à lápide.

Este lugar pequeno coube em sorte depois de dar ao Mundo despedida a Pero Jaques Correia e sua consorte o corpo está aqui que o pôs a morte a alma esta donde a pôs a vida.

É pena não poder averiguar-se o nome do autor desta filosofia tão espirituosa.

Vê-se bem que não foi o morto que em vida teria mandado gravar o seu epitáfio, como muitas vezes sucedia. Talvez um desses frades amáveis e espertos, que conhecendo bem Pero Jaques, inteligentemente lançou mão da filosofia para não ferir a memória do Comendador.

Não disse nem bem nem mal. . . "a alma está donde a pôs a vida": conforme a vida que levou assim a alma estará no Céu ou no inferno. Ele epitafista não quis tomar a responsabilidade de o afirmar. Faria bem? Talvez que Pero Jaques Correia, o Comendador, tivesse levado vida que nem sempre fosse de louvar.

Revista Costa de Oiro nº 55 - Julho 1939

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