terça-feira, 15 de setembro de 2009

MIGALHAS DE HISTÓRIA NOSSA TERRA - I


MIGALHAS DE HISTÓRIA
NOSSA TERRA  -  I

A LENDA DA SUA FUNDAÇÃO NO PAUL
Pelo Dr. José Formosinho

LAGOS é incontestavelmente uma povoação antiquíssima. Mas a sua origem anda envolvida em trevas, talvez impossíveis de desvendar.
Muitos escritores (l) dela se têm ocupado, transcrevendo quási todos o seguinte: «Laccobriga povoação muito antiga, foi fundada por Brigo em (l899 antes de Cristo), no sítio do Paul, onde se encontram muitos alicerces de edifícios e grande porção de tijolos. Mais tarde (359 antes de Cristo) por se achar destruída, foi mudada para o local onde hoje está Lagos, por Bohodes, capitão cartaginês». Alguns desses escritores explicam que Laccobriga quer dizer cidade fundada por Brigo junto a um lago e por isso no Paul. Outros presumem lendária a fundação por Brigo; afirmam contudo a sua existência no Paul, em vista dos numerosos vestígios ali encontrados. Aceitam ainda todos que fosse mudada para o novo local pelos Cartagineses.
Os progressos da ciência histórica já não admitem certas lendas criadas pelos eruditos. A incredibilidade severa dos nossos tempos não aceita as tradições que possam ser destruídas pela análise dos factos, ou por documentos de qualquer natureza.
Vejamos pois, se teremos motivo para duvidar de que a vetusta Laccobriga tenha sido fundada no Paul, em face das débeis razoes em que estes escritores fundamentam as suas asserções.
Porque na palavra Laccobriga entra o radical — LACCO — querem esses escritores que fosse edificada junto a um lago e portanto no Paul.
Quanto à primeira afirmativa terão, por certo, razão. Mas não era necessário ir tão longe procurar o lago : Toda a parte baixa da cidade desde, pelo menos, a Praça do Poço, a Praça do Cano, todo o quarteirão entre estas duas Praças, a Porta de Portugal e o Rossio de S. João, foram terrenos conquistados a um lago ou Paul, isto é, terrenos alagados.
Provas? Quando há bem poucos anos se procedeu à canalização da água, não perdi de vista os trabalhos; tive então ocasião de verificar que em vários dos locais citados, à camada de entulhos se seguia uma camada de terreno indubitavelmente lodoso ; e próximo da esquina da Praça do Poço, antes de tornejar para a Rua Cândido dos Reis se encontraram bastantes fragmentos de madeira e uma argola de bronze que decerto pertenceriam a um barco. Infelizmente a madeira ao contacto com o ar desfez-se, porém muita gente a viu; e a argola, talvez alguém a tenha guardada. Mas o terreno lodoso fácil é de verificar, com uma pequena escavação. À Praça do Cano ou Praça Gil Eanes era denominada em todos os documentos antigos, que tenho lido, (2) por Ribeira dos Navios. E o Rossio de S. João, ainda em nossos dias era alagado.
Mas ainda contra a primitiva fundação da Laccobriga no Paul há argumentos de subido valor.
Brigo é um personagem lendário criado pela fantasia de historiadores antigos (pos-romanos) (3), pela necessidade de explicar a terminação «BRIGA» de dezenas de cidades da Península Hispânica, na ignorância da sua significação.
«BRIGA» é uma palavra celta que quer dizer: «altura fortificada» (4), «cidade fortificada em um alto». Correspondente a «CASTRO» (derivada do latim «Castrum»).

E o Paul não é, nem nunca poderia ter sido uma altura.
Ainda, pelos estudos arqueológicos a que tenho procedido em toda a área abrangida pelas confrontações atribuídas à Laccobriga do Paul, me foi possível verificar que todos os vestígios lá encontrados são de feição romana.
Todos as objectos que se encontram no Museu Etnológico de Belém, em Lisboa, levados dali pelo sábio etnólogo algarvio Estácio da Veiga (5), são romanos. Como romanos são todas as moedas, tégulas, tijolos, opus signinun, etc, citados por Paulo da Rocha na sua Monografia (6),
Agora ponhamos o raciocínio em acção;
Dizem : «Destruída a Laccobriga do Paul, Bohodes cartaginês fundou no novo local, a nova Laccobriga no Século IV antes de Cristo». Dos Romanos não se encontram vestígios no Algarve antes do Século I ou II A. C.
Como é que os vestígios romanos do Paul, indicam a existência duma cidade, que já não existia, pelo menos, 200 anos antes de os Romanos para cá virem ?
Se tivesse havido uma cidade no Paul, não seria lógico que, quanto mais não fôsse, alguns alicerces se descobrissem ?
Os vestígios do Paul são tão escassos e encontram--se tão afastados uns dos outros, que nos mostram imediatamente a sua proveniência: pequenas villae (casas de campo) disseminadas pelos arredores, numa área de muitos quilómetros. Umas, tinham as suas piscinulae de opus vermiculatum (mosaico), como o que está no Museu, (7) extraído da Boca do Rio outras, as teriam de opus signinum (formigão). Das primeiras ainda lá não encontrei nenhuma. Aqui e além vêem-se vestígios de um muro, tégulas. tijolos, restos de um pequeno tanque; uma ou outra sepultura e algumas moedas (7). Destas não vi que lá fosse encontrada nenhuma anterior ao III Século depois de Cristo,
Todos os escritores antigos, dão Laccobriga como cidade marítima.
Por tudo o exposto, julgo destruída pelo raciocínio a lenda da fundação de Laccobriga no Paul.


(l)—Citando apenas alguns dos mais modernos:
— «Antiguidades de Lagos e suas Igrejas», manuscrito (entre l7l7 e 1755), fls. 1 v.
— Coelho de Castro — Topografia da Freguesia de S. Sebastião, manuscrito (l756)—fls. 1 — Prior António Caetano da Costa Inglez Tombo de S.tª Maria, manuscrito (1828)— fls, 148.
— Baptista Lopes — Corografia do Reino do Algarve,
(l84) pág. 225.
— Pinho Leal—Dicionário—palavra LAGOS
— Paulo Rocha — Monografia das Forças Militares
de Lagos, pág. l5,
(2)—Arquivo da Misericórdia de Lagos — diversos manuscritos.
Antiguidades de Lagos e suas Igrejas, etc.
(3) — Por exemplo : Florião de Campo —Euchiridion de
los Tiempos e Garybay— História de Espanha.
(4) — Dr. Leite de Vasconcelos — De Terra em Terra
II pág. 36-—Arqueólogo Português I pág. 62
(5) — Estácio da Veiga — Arqueólogo Português. XV
pág. 220
(6) — Monografia cit. pág. 16 e l7
(7) — No Museu Regional de Santo António de Lagos.


Costa de Oiro nº 3 MARÇO 1935

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