quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Os textos da Revista «Costa de Oiro»- 11


CIÊNCIA E CULTURA

PROBLEMAS DE ARQUEOLOGIA ALGARVIA
OS SILOS DE BENSAFRIM

Pelo Dr. JOSÉ FORMOSINHO

Muito prezo as opiniões dos mestres. Mas só as aceito enquanto documentos ou factos me não provam o contrário.
Não vou fazer as considerações  que seguem por sistemático propósito de oposição a quem quer que seja ; não posso, porém, deixar passar sem reparo afirmações contrárias à evidência, demais tratando-se de um importantíssimo problema da arqueologia algarvia, que muito me interessa.
Oxalá todos fossem de tão fácil e evidente prova como este. Porquê? Porque esses silos estão à vista e posso destapar dezenas deles, até mesmo aqui dentro da Cidade de Lagos; e quem lhes queira fazer um atento exame directo, pode, pelo simples raciocínio  e sem receio, afirmar que não podiam ter sido habitações neolíticas.
A sua forma de pote com entrada superior estreitíssima e com o fundo abaulado não permitiria a qualquer pessoa lá permanecer, senão em posição muito incómoda  e imprópria para dormir ou descansar das labutas diárias.
Os maiores que vi e fiz desentulhar tinham 2,m80 de altura, l,m85 de diâmetro de bojo e 0,m70 a 0,m75 de diâmetro de boca; os mais pequenos tinham l,m 20 de altura, 0,m95 de bojo e 0,m45 de boca. Em alguns encontrei terra, pedras e cacos de várias épocas; outros, os que presumo intactos, pois tinham ainda por tampa uma lage redonda pouco maior do que a boca, só tinham no fundo uns vinte a vinte e cinco centímetros de um pó muito fino e quasi negro.
O grande arqueólogo algarvio Estácio da Veiga, a quem sempre tenho prestado a maior homenagem e cujos ensinamentos merecem a minha profunda gratidão, ao estudar a arqueologia algarvia notou que a enorme quantidade de artefactos que nesta província encontrou da época neolítica, deveria ter sido possuida por uma população numerosa, que não poderia ter por habitações só as poucas cavernas existentes no Algarve. E não encontrando vestígios de outras habitações, foi levado a PRESUMIR que «seriam habitações pré-históricas na Aldeia de Bensafrim, muitos subterrâneos que a tradição refere serem celeiros dos Mouros».
Ele próprio porém, declara: «Nos ditos entulhos havia tantas coisas de diversas épocas, que em vez de auxiliarem a classificação do tempo a que pertence aquele cardume de subterrâneos, quasi contíguos, a dificultam e IMPEDEM. (Antiguidades Monumentaes do Algarve — Vol. II pág. 32o). Como se vê ele próprio se mostra indeciso. Se Estácio da Veiga tivesse encontrado algum desses subterrâneos intacto e só com utensílios da época neolítica, como nas necrópoles de Alcalár, de Aljezur e de tantas outras que explorou, então podia afirmar que esses deviam pertencer àquela época. Mas o argumento único de que se serviu para presumir que não fossem celeiros dos mouros «porque a serem deviam arrecadar muitos móis de trigo, o que importaria uma população rica e aglomerada, que só por excepção se poderia achar fora de recintos amuralhados,» não é suficientemente convincente, a meu ver.
A páginas 4l8 do Vol. II da mesma obra Estácio da Veiga diz: «Não impugno a tradição; ao contrário, julgo mesmo que alguns subterrâneos possam ser originários dessa época (arábica)».
Não é por isso lícito basear em Estácio da Veiga a afirmação de serem habitações neolíticas  as covas de Bensafrim.
Estácio da Veiga, Edward Clodd (L´Uomo Primitivo), Hoernes (Pré-história), Mélida (Arqueologia Espanhola) e tantos outros são unânimes em concordar que sempre que o homem neolítico tivesse à mão as grutas e cavernas naturaes, eram essas as suas preferidas habitações. Mas quando as não tinham «abriram-nas os homens neolíticos em rocha que podia ser escavada com instrumentos de pedra ou de chifre.» Em Portugal são típicas as Covas de Palmela que constam de vestíbulo de planta trapezoidal e câmara circular de trez a oito metros de diâmetro e tecto semelhante a abóbada com abertura no meio para ventilação. (Mélida, ob. cit. pág: 33). Alves Pereira, no Arqueólogo XXVI pág. l73, estudando uns subterrâneos aparecidos em Lisboa, diz: «E as covas? Provavelmente eram celeiros, tulhas, ou para ferir o termo justo, silos medievaes. Uma possível atribuição pré-histórica julguei que devia ser posta de parte».
Na verdade todas as grutas artificiaes onde se teem encontrado vestígios de habitação pré-histórica são de contorno campaniforme, a sua entrada lateral e fundo mais ou menos plano.
«As cavidades de utilização agrária eram acentuadamente ovóides.»
Mas não é lícito confundir «silos» com «fundos de cabanas». Só quem nunca viu, nem uns nem outros, pois em nada se comparam. Aqueles, são perfeitos potes escavados no solo. Os «fonds de cabanes,» que também por cá se encontram a cada passo, «sont constitués par des couches superposées de débris de cuisine et d'industrie, accumulées autour du foyer des habitations pré-historiques». «Cuvetts évasées, creusées plus ou moins profondement en terre, et qui formaient les planchers des habitations». Assim os define e muito claramente o «Manuel de Recherches Préhistoriques, ( pág. 290 a 398) publicado pela Sociedade Pré-histórica Franceza. Ora não encontro dicionário nenhum que traduza «cuvette» por pote, mas sim por «bacia, tigela»: «vase large, peu profond, evasé». Assim o explica o Larousse Illustré.
Para terminar: é preciso frizar que os silos que se encontram nas ruas de Bensafrim estão quasi todos cortados, ou desgastados pela passagem contínua por sobre eles desde há muitos séculos, pois se encontram à vista no próprio pavimento da rua.
Os que se encontram nos campos, podem com mais firmeza servir de estudo sério pois teem, em geral, uma boa camada de terra arável que os encobre.


- Costa de Oiro - 11.

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